Pois é, só desejamos o que não temos. O desejo surge da falta, do “não ter”. Ou seja, desejamos somente o que não temos e por que não temos. Quando conseguimos o que queremos, o objeto de desejo deixa de ser desejado e desejante. Talvez isso explique bastante aquela frase “o ser humano só dá valor quando perde”. Embora essa frase seja usada geralmente como um argumento de cunho negativo, por mais estranho que pareça, essa é a dinâmica da interação humana e isso é totalmente natural. Porém, esse argumento pode se desdobrar em duas possibilidades de intenção: a sádico-vingativa e o masoquismo simbólico.
1- Sádico-vingativa: quando o argumento é direcionado ao outro com a intenção de causar arrependimento no sujeito.
2- Masoquismo simbólico: quando o argumento provém de reflexões sobre si e gera um consenso de arrependimento consigo mesmo, fazendo com que o sujeito se sinta merecedor da culpa em constante movimento de autopunição.
É próprio do ser humano se acostumar com o que se tem, e isso não é uma normalização da sensação de monotonia. Quando nos acostumamos com algo/alguém, temos o que chamamos de “rotina”, que é diferente da monotonia. O filósofo e professor Mário Sérgio Cortella fala sobre isso em seu livro “Por que fazemos o que fazemos?”, explicando que a rotina se trata de saber como as coisas funcionam no cotidiano, enquanto a monotonia se trata da falta de prazer diante da mesmice cotidiana. Por isso, a falta surge no momento em que não temos mais ao nosso alcance o que tínhamos antes, pois muitas vezes a rotina é confundida com a monotonia. Assim como ouvimos às vezes “a relação virou rotina”, como se entender como as coisas funcionam, compreender a dinâmica com o outro e estar ciente de como caminha a relação fosse algo chato, o que leva algumas pessoas a criarem discussões em busca de algum tipo de emoção que surpreenda a relação.
Achei que não desejava mais, mas eu me enganei
Quando algo/alguém se faz presente no nosso cotidiano, é natural que não se dê por falta. Afinal, a saudade surge do que está longe. Estando perto, não há saudade. A partir disso, surgem as lembranças e, às vezes, até mesmo arrependimentos, pois nessas horas não importa o quanto você já tenha aproveitado o tempo com aquilo/aquele que você não tem mais ali, nunca parecerá tempo suficiente a ponto da culpa não surgir. E isso é totalmente natural, embora seja uma culpa que não seja necessário carregar. O sentimento de culpa pode nos ensinar bastante, não sobre o que devemos ou não fazer, mas sobre o fato de passarmos a nossa vida lidando com faltas, pois as faltas também são tão necessárias quanto as presenças.